O Supremo Tribunal Federal (STF) validou, por unanimidade, dispositivos da Lei da Reforma Agrária (L8.629) que permitem a desapropriação de terras que não estejam cumprindo a sua função social. A ação que questiona a norma foi apresentada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e foi julgada no plenário virtual na última semana.
“O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações”, diz o artigo 6° da legislação.
A CNA havia pedido uma liminar para barrar ocupações de propriedades rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que vai contra a legislação vigente. Para a Confederação, é impossível exigir os dois requisitos, “seja para a conceituação da propriedade produtiva, seja para a caracterização da função social”. O argumento é que permitir a desapropriação de um imóvel produtivo que não cumpra função social é “dar-lhe tratamento idêntico ao dispensado às propriedades improdutivas.”
Para o relator, ministro Edson Fachin, é “pelo uso, socialmente adequado, que a propriedade é legitimada”. Em seu voto, seguido pelos demais ministros, o ministro destaca que o próprio texto constitucional “exige, de forma inequívoca, o cumprimento da função social da propriedade produtiva como requisito simultâneo para a sua inexpropriabilidade”.
O ministro ressalta, ainda, que a consequência do descumprimento da função social não é a expropriação, que consiste na retirada forçada do bem, mas a desapropriação, que objetiva indenizar o proprietário pela perda. A Constituição estabelece que a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais, cumprimento da legislação trabalhista e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.
Pedidos feitos pela CNA à Corte:
- Determinação ao MST, à FNL [Frente Nacional de Luta Campo e Cidade] e a outros grupos organizados, de suspensão imediata de qualquer política e/ou estratégia de promoção de invasões de terras em território nacional, sob pena de atribuição de responsabilidade civil e penal a seus participantes e aos dirigentes de tais movimentos;
- Determinação de expedição de ofício às empresas Telegram, Whatsapp, Twitter, Youtube, Instagram e TikTok para que, no prazo de 2 (duas) horas, procedam à suspensão dos canais, perfis e/ou contas do MST, da FNL ou de outros grupos organizados, bem como canais, perfis e/ou contas de seus dirigentes ou lideranças, de forma a evitar que manifestações de incitação à prática de crime de invasões de terras sejam divulgadas;
- Determinação de intimação do Ministério da Justiça e do Departamento de Polícia Federal para que apresentem nos presentes autos as informações de que disponham sobre as ações criminosas que estão em desenvolvimento e/ou sendo planejadas por esses grupos organizados (MST, FNL, bem como outros grupos eventualmente identificados);
- Determinação, ao governo federal, de criação de grupo de acompanhamento, com a participação dos estados, secretarias estaduais de Segurança Pública e entidades representativas da agropecuária como a CNA e suas federações estaduais, de ações em curso para evitar a efetivação de invasões de propriedades rurais, com a apresentação de relatórios mensais a serem encaminhados a esse Supremo Tribunal Federal, visando dar efetividade ao que pretendido pelo art. 2º, § 7º, da Lei nº 8.629/93;
- Determinação, ao governo federal, de elaboração de programa específico, com a participação dos governos estaduais, suas secretarias de Segurança Pública e entidades representativas da agropecuária como a CNA e suas Federações Estaduais, de combate às invasões de terras no Brasil e de prevenção às ações de planejamento de invasões e esbulho possessório por parte de grupos organizados;
- Determinação, aos governos estaduais, de que apresentem ao Supremo Tribunal Federal informações de movimentação e localização de acampamentos e de “marchas” do MST, da FNL e de outros grupos organizados que tenham por fim a invasão de terras;
- Determinação, aos governos estaduais e às respectivas secretarias de Segurança Pública, de destinação específica de força policial para acompanhamento das atividades desses acampamentos e “marchas”, de forma a prevenir qualquer iniciativa de invasão de terras ou, se for o caso, reagir imediatamente à tentativa de esbulho possessório, retirando os criminosos da área invadida;
- Determinação às polícias civil e militar dos estados – sob pena de responsabilização pessoal da autoridade pública – para que procedam com as prisões imediatas dos participantes desses grupos organizados que forem flagrados em atos de turbação, esbulho ou invasão de terras, em virtude do acompanhamento de atividades a que se refere o item anterior;
- Determinação aos governadores de Estado e aos secretários de Segurança Pública que, em virtude das atividades de acompanhamento a que se refere o item (7) acima, identifiquem indivíduos que estejam a incitar ou financiar atos de invasão ou estejam promovendo efetivamente condutas de esbulho possessório, com a devida instauração imediata de inquérito policial;
- Determinação, aos governadores de Estado e aos secretários de Segurança Pública, de criação e/ou fortalecimento de unidades especializadas de prevenção e combate à criminalidade em regiões rurais, dentro das estruturas das polícias civis e militares, com foco especial na ação dos grupos que visam a invasão de imóveis rurais;
- Determinação, aos governadores e aos secretários de Segurança Pública, de que atuem imediatamente com as forças policiais do ente federado, após o recebimento da ocorrência de invasão de propriedade rural, com base na decisão cautelar proferida nesta ADI, independentemente de decisão judicial individual a partir de processos de reintegração de posse.
O que é a desapropriação
“A desapropriação por interesse social, aplicável ao imóvel rural que não cumpra sua função social, importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária”, diz trecho da Constituição. A desapropriação de um imóvel é uma forma de intervenção estatal na propriedade privada. Mediante prévia declaração de utilidade pública ou interesse social, o Estado paga uma indenização pela terra, que passa a servir aos interesses da União.
Toda grande propriedade rural que não esteja cumprindo sua função social, está sujeita a ser desapropriada. Segundo a legislação, são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural.