Nas sociedades ditas civilizadas, que servem de exemplo para as demais que estão degraus abaixo, impera a noção de que todos, governantes, governados e legisladores, sujeitam-se ao império das mesmas leis. Ou é assim ou de volta à selvageria.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana a chamada PEC da Anistia – uma Proposta de Emenda à Constituição que perdoa quase toda sorte de irregularidades cometidas pelos partidos políticos e seus dirigentes.
O bizarro é que as normas, por ora ainda vigentes, foram estabelecidas por representantes desses mesmos partidos, e uma parte delas pela Justiça Eleitoral. A PEC da Anistia seguiu para votação no Senado, e espera-se que ali morra.
O placar na Câmara foi de 344 votos a favor e 89 contra, num total possível de 513. Somente o Novo e o bloco PSOL-Rede se opuseram à PEC. O PL de Bolsonaro e o PT de Lula votaram de braços dados pela aprovação. São os maiores da Câmara.
A PEC concede aos partidos vários tipos de perdão. Um, os torna imunes, bem como seus institutos e fundações, a sanções de natureza tributária, com exceção das previdenciárias. Somem multas e condenações em prestação de contas.
Não porque os partidos sejam pobrezinhos – só em 2022 puderam gastar 6 bilhões de reais. Mas porque querem gastar mais com suas atividades e a salvo de impostos. A fiscalização desses gastos é frouxa, precária, e cabe a eles mesmos.
Outro tipo de perdão: um generoso parcelamento de dívidas dos partidos que terão o benefício de aderir ao programa a qualquer tempo, contarão com até 180 meses para quitar as pendências e poderão usar verbas do fundo partidário com esse objetivo.
Por fim, a PEC fixa uma cota para negros nas eleições, obrigando a destinação de ao menos 30% dos recursos para essas candidaturas. Ocorre que em 2020, o Supremo Tribunal Federal havia decidido que a divisão deveria ser proporcional ao número de postulantes, o que representou 50% na mais recente disputa.
Nos anos 1980, ao ouvir queixas sobre a baixa qualidade do Congresso, o deputado Ulysses Guimarães-SP), presidente da Câmara, do MDB e da Assembleia Nacional Constituinte, respondia desalentado:
“É porque vocês ainda não viram o próximo Congresso”.